Outro conto...
Glänzend...
Percorreu velozmente todo o trajecto ao qual se havia proposto inicialmente. Ofegante proferiu as palavras costumeiras mas desta vez de uma maneira desordenada, tal como uma oração antes de adormecer, já com as pálpebras a sonhar com o dia seguinte.
Pousara os pincéis esborratados de tinta, deixando cair no chão algumas gotas que posteriormente teriam de ser removidas pelo esforço árduo de quem nada mais tem a fazer senão zelar pelo asseio caseiro. A aguarela estava quase acabada, faltando apenas alguns retoques finais. Ingrato este trabalho que nos sorve completamente a atenção, a dedicação e para uma minoria todo o génio criativo. Suspirava. Devia de ter dado mais umas quantas pinceladas espessas na coloração das ondas. Aquele tom não se assemelhava de maneira nenhuma com aquele da sua lembrança. Tinha 8 anos quando pela primeira vez desfrutou da sensação de ter os seus pés envolvidos numa massa, granulosa acastanhada, mas de tacto agradável. Despiu o camiseiro e o vestido, descalçou as sandálias e fez-se ao mar. E nem as vagas espumosas a fizeram deter.
Tencionava oferecer-lhe esta pintura na qual pusera tanto da sua vivência juvenil. Mas na realidade, o seu intuito não se concretizou. Nem sempre o que mais se ambiciona ocorre. Nem sempre o destino segue o seu rumo, nem sempre o desânimo domina as acções.
Findo o percurso, sentou-se de joelhos a descansar. Tinha sido a última vez que o fazia, aquilo fatigava-o e o seu objectivo em chegar às Olimpíadas há muito que se tinha esmorecido. Por vezes, somos comandados por forças interiores que não vencerão aquelas Invisíveis, que sempre lá estiveram, mas que se desvigoraram facilmente. Seguiu para casa. Queria reflectir nesta sua resolução imediata. Queria simplesmente participar ao mundo que deixassem de apostar nele. Ele era agora um ser anónimo, um ser indiferente às exigências que lhe eram destinadas.
Arrumou os pincéis no frasco lamacento na prateleira do atelier. Hoje já não se dedicava mais ao quadro. Precisava de descansar o espírito. Mas antes, tinha de passar pela “ Arts & Life” e comprar uma ou outra tinta que não aquelas que tinha para retocar a tonalidade das ondas da sua memória. Desceu as escadas de dois em dois, contornou a esquina, passou pelos semáforos apinhados de gente e avistou a loja. Faltavam somente uns escassos metros, quando uma presença inexplicável se lhe juntou. Coçou a perna vigorosamente até que os seus olhares se cruzaram. Ali estava aquele de joelhos, cuja expressão do rosto deixava antever uma serenidade espiritual. E sem perceber como, o número do cartuxo de tinta que precisava apareceu na sua mente. Seguiu em direcção daquele indivíduo que a abraçava mentalmente e ajoelhou-se também. E assim descansaram aquelas duas almas, iluminados por uma luz que emanava da tranquilidade e do prazer que cada um transmitia ao outro.
Glänzend...
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