Contos de Alguém para todos Vós

"If one is not half mad, how can one give birth to a dancing star?" (Nietzsche)

quarta-feira, outubro 04, 2006

Ora aqui está o 1º conto...deliciem-se...

Fantasmas

Há fantasmas que perduram uma vida inteira.
Há fantasmas que têm rosto, um nome, uma identidade própria. Há fantasmas que nunca nos abandonam, consumindo-nos dia após dia, até nos embrenharmos também na matéria de que são constituídos. Há pessoas que já perderam a sua essência humana, ou que sempre fizeram parte de um universo extenso sem nunca darem conta da sua dualidade. Há pessoas que são fantasmas. Há pessoas que assumiram inconscientemente uma forma etérea, provocando em seu redor dor, infelicidade, lágrimas e piedade. Há fantasmas que nos consomem por inteiro, corpo e alma, vida e morte. Há pessoas assim, corrompem toda uma essência, voltam as costas e abandonam o arruinado, deixando-o incapaz de refazer aquilo que foi destruído. Para lá das terras acessíveis entre as montanhas e o rio Tsola existe uma exígua aldeia de seu nome Lamsl. Nesse lugar isolado, vivia Legan, uma senhora na casa dos quarenta anos, serena demais para a idade, preferindo o isolamento por questões impostas pela vida. Ninguém, no entanto, a incomodava sem razão, sem um motivo válido o suficiente para a fazer sair de casa. Em Tsola a aquisição dos bens de consumo e essenciais ainda era feita como há séculos anteriores, através da troca e do empréstimo. Legan dedicava-se à fiação, corte, preparação de materiais, que posteriormente se iriam converter em peças de vestuário. Era esta a sua actividade. Espalhados por uma divisão dos seus aposentos estava uma quantidade substancial de saias, casacos, camisas, capotes, xailes. Era esta a sua nova vida. Não foi difícil o processo de habituação. Estava demasiado cansada, desiludida e destruída para se dar conta que tinha de recomeçar a viver. O acaso levara-a até Lamsl. Para isso foi suficiente um desejo de distanciamento, um meio de transporte e principalmente, um fantasma. Legan ao tentar escapar de um fantasma, havia-se tornado num outro fantasma, o seu próprio fantasma. Os seu dias agora pincelados de cinzento amargurado, já tinham tido outras tonalidades mais vivas. Já tinha experimentado a sensação de ser realizada a nível laboral, financeiro e afectivo. E foi neste último campo de sua vida que ocorreu o infortúnio. Foi aí que emergiu involuntariamente o fantasma na sua vida. Aos poucos e poucos, começara a aperceber-se de que não caminhava só, que seus pensamentos tinham sido invadidos por uma presença ténue ao princípio, mas que com o passar do tempo, se tornara cada vez mais marcante. Essa presença constante tinha uma identidade sólida, um corpo palpável, uma carga emocional perturbadora. Zyawal. Em tempos idos, desfrutaram a condição de serem uma unidade apenas. Um sentimento perdido tal como estariam agora os seus corações.
Muitas variações de Zyawal se seguiram no decurso da vida de Legan, sem ela tomar consciência disso.
Um dia houve, em que visionou a imagem da sua decadência, sentiu a sua destruição. Um dia houve, em que desistiu de tudo e isolou-se em Tsola.
Nunca despistara o fantasma de Zyawal, desconhecendo assim a libertação espiritual. Tinha a certeza que até no leito de sua partida Zyawal lá estaria, corroendo-a.

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